quarta-feira, maio 27, 2015

Perfis

I

Era pequenina e linda. Seus olhos de um castanho forte, vívido, acompanhavam o tom dos seus cabelos. Sua cor mais forte, o vinho.
Tinha uma enorme aliança de noivado. Era a imagem do desejo interdito. Ele, de longe, suspirava.
Até que, certa manhã, ela surgiu no trabalho sem a aliança. Uma fagulha de possibilidade surgiu no peito dele. 
A rotina do dia os envolveu, até que os pôs lado a lado. No meio da intensa correria ela apertou a manga da camisa dele, sussurrando algo suavemente. 
Ele não entendeu de pronto. Inclinou-se para ouvir melhor. E arquejante ela repetiu o sussurro: "Você quer casar comigo?"

II

Olhos atentos, rosto sempre sério, ela escondia sua doçura sob uma dissimulada austeridade. 
Calada, dizia-se tímida, embora para ele essa timidez se mesclasse a um fortuito desinteresse.
O que ele mais amava nela eram aqueles cabelos que negros toldavam seus ombros. Davam a ela um ar de Minerva.
E ele nunca soube seus reais pensamentos. Os olhos negros engoliam qualquer questão, qualquer esboço de ideia. Tragavam o que ele pudesse pensar.
Ela, esfinge.

III

Um rosto completo. Não haveria melhor definição para ela, a plenitude em pessoa. Seu sorriso era de Senhora, embora fosse ainda tão moça.
Os óculos realçavam o ar de autoridade, de alguém douta em vida.
Mas para ele olhá-la era ser fogo.
Seu porte altivo, sua voz suave, seu olhar potente, tudo isso para ele se transmutava em pura chama. Até mesmo toda a franqueza dela tornava o fogo ainda mais selvagem. E impossível.
Afinal, sua Senhora por outro firmara o compromisso. Era apenas a amiga, alta, esguia, forte. Noiva. Ele maldizia sua sina de amar noivas.
E o fogo, a cada momento mais forte, quase a o engolir. Uma chama que a tudo consome. 
De repente, não trabalhavam mais juntos. Ela precisava de total dedicação ao casamento. Longe dela, sem seu altivo olhar e porte tão sublime, ele sentiu o fogo perder força até se extinguir. Ainda que tentasse avivá-lo com a memória, seus esforços foram inüteis. Ao morrer, esse fogo nada deixou, sequer cinzas para untar sua tristeza.

IV

Feroz, a imagem dela o devorava. Ele, tiras de carne, o vazio. O olhar dela o aniquilava. Paralisado, inebriado pelo veneno que a imagem dela transmitia.
Com toda a sua doçura ela não escondia suas garras. Simples e múltipla. Uma força da natureza.




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