quarta-feira, março 04, 2020

Sem talento para a vida

Ao sair do banheiro, o ambiente parecia outro. O grupo havia acabado de fazer um exercício. Ele achou que de fato havia acabado. Como estava apertado, correu para o banheiro.

Descobriu tarde demais que havia perdido talvez a parte mais importante da atividade, que era seu desfecho. Os colegas compartilhavam abraços entre si.

Agora, lá estava ele, com cara de tacho, olhando as pessoas se abraçando como velhas conhecidas, enquanto ele parecia um penetra em festa de aniversário. 

Lembrou-se da juventude, quando por vezes sentia um medo quase paralisante de pedir informações a pessoas na rua; ou quando era transferido de colégio e não conseguia perguntar aos novos colegas sobre as matérias e deveres.

Era como se aquele homem fosse novamente o mesmo menino que não conseguia conversar com ninguém e por isso mantia-se sozinho durante o recreio, refugiado na biblioteca.

Algumas pessoas do grupo chegaram a abordá-lo, para um abraço. Outras pareciam aliviadas por ele não estender os braços a elas. Ou sequer lhe dirigiram o olhar.

Ele pensou que o melhor seria lançar a timidez para o alto e reivindicar o seu abraço com cada integrante do grupo. Sua paralisia, porém, permaneceu. E o momento passou. Já era hora do lanche.

Afastado em um canto da sala, enquanto as pessoas comiam e conversavam, ponderou que no final a culpa fora toda sua, que se fechara para os colegas e não se deixara aproximar de fato. Afinal, um abraço é via de mão dupla. Constatando o próprio fracasso, mais uma vez ele se via como realmente era: alguém sem traquejo para o mundo, mais um de tantos sem o talento necessário para viver.

6 comentários:

  1. Maria de Fátima da Cunha Coelho11:37 AM

    Já me senti assim em algum momento bem distante de hoje.
    Cabe a cada um de nós superar esse constrangimento para viver. A vida se torna muito prazerosa a partir do momento que soltamos as "amarras" que nos prendem a certos esteriótipos.

    Samuel querido seus textos estão se tornando cada vez mais deprimentes. A vida é repleta de autos e baixos. Por favor, não se deixe "inspirar" por dias nublados apenas.

    Beijo no coração.
    Fátima Coelho

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  2. Samuca, compartilho dessas sensações e pensamentos do narrador. Tantas vezes me sinto fora do padrão para uma interação social. Embora muitos não acreditem, sou tomada por isso tantas vezes e dias. Minha reação e de querer ficar longe de todos, sabe. Mas aprendi a lidar com ela e respeitar o que sinto. Você me ensinou que nessas horas, o que sinto não é o que sou. Então espero passar e respeito meu momento.

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  3. Comentário 01: ninguém tem talento para a vida. Somos todos péssimos atores.

    Comentário 02:
    Me parece que algo aqui está faltando, ou sobrando- "Os colegas deveriam compartilhavam abraços entre si."

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    1. Obrigado pela observação. De fato, havia algo sobrando. Mais uma vez, minha mania em não reler meus escritos causou meu tombo.

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