segunda-feira, fevereiro 25, 2013

O Desespero e a Noite - Parte III de VI

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Denor, prefeito de Keraz, embora estivesse contrariado, pareceu sentir verdadeiro alívio quando ouviu que a Companhia auxiliaria prontamente nas defesas da aldeia. Assim, enquanto o mordomo se aproximava com taças de cobre cheias de água, o prefeito limpou a garganta e começou seu testemunho:
Muito nos satisfaz saber da disposição dos seus nobres guerreiros para auxiliar nossas famílias. Iniciarei, então, meu relato. Meus companheiros serão meu auxílio caso eu omita algo fundamental.
Há meses ouvimos depoimentos de homens-macaco que têm vagado por nossas terras, roubando gado e invadindo propriedades. Até algumas crianças desapareceram. Além desses incidentes, pescadores da região contavam que haviam visto luzes fortes ao norte, além do mar, na direção das ruínas de Quirite-Mon.
Até que então, há três semanas, recebemos pessoas que chegavam desesperadas, trazendo parentes seus, imersos em terrível febre, para serem tratados por Culliach, nosso sacerdote. Eram quinze doentes. Todos os encantamentos e preces foram em vão, de modo que os doentes pereceram. Mas logo após serem sepultados, voltaram à vida, com uma ferocidade cega e um irracional desejo de sangue. Perdemos bons moradores nesse surto de loucura e violência.”
Foram necessários nossos melhores homens para pará-los – o juiz Anfard, um homem ainda jovem e de sagazes olhos negros, interrompeu o relato do prefeito. – Não sabíamos que a doença era transmitida caso o infectado mordesse alguém saudável. Também tivemos que descobrir, por um preço muito alto, que o infectado reanimado só morre se for decapitado ou tiver sua cabeça destroçada. Perdi metade dos meus homens de confiança, guerreiros valorosos que compunham minha guarda. O senhor Denor perdeu pouco mais que eu. Os habitantes também ajudaram na luta, mas muitos foram feridos. Dos sessenta homens que guardavam nosso vilarejo, vinte e cinco estavam mortos ou infectados, além de quase o dobro de aldeões. Os doentes foram encerrados em algumas casas, enquanto víamos mais camponeses chegando de outros vilarejos, alguns fugindo como loucos, tendo os mortos em seu encalço.
O jovem Anfard olhou para Denor, como que esperando que o prefeito continuasse o relato.
Pois bem – o prefeito retomou a palavra –, esses últimos dias foram os mais difíceis para nós. Tínhamos que tratar e vigiar os doentes, cuidar daqueles que chegavam e estabelecer alguma defesa que impedisse que mais dessas coisas invadissem Keraz. Escolhemos nossos mais exímios carpinteiros e o mais fortes lenhadores para ajudá-los, e o juiz Anfard liderava os demais homens para resgatarem pessoas saudáveis e vigiarem os arredores.
Todos ajudavam, inclusive mulheres e crianças. Construímos a paliçada e cavamos o fosso em poucos dias. Enquanto isso, os doentes entre nós pioravam, alguns já haviam perecido e retornado à vida imersos em loucura. Por recomendação de nosso sacerdote, encerramos todos os infectados em suas casas e, que os deuses nos perdoem, as incendiamos. Os mortos se mostraram sensíveis à força do fogo e, por tal fato, nós os destruímos.”
O nobre baixou os olhos, entristecido, enquanto seus dois companheiros imitavam seu ato. Eram conhecidos seus que morreram de forma tão cruel. De fato, o preço pago por Keraz fora alto demais. Cuilliach, o sacerdote, talvez fosse do povo, mas era certo que Anfard deveria ser de origem nobre, como Denor. Apesar do bom nascimento de ambos, eram homens simples, que expressavam amor por aquelas terras e agora viam seu mundo ruir sob a degradante escuridão que se abatia sobre eles. Urso Pardo suspirou, decidindo que não era mais necessário a eles continuar seu relato.
Suplico a vós que perdoai nossa frieza, caros senhores – disse o andarilho, respeitoso –, pois sabemos que se trata de um assunto deveras penoso para todos. Mas vossas experiências foram de grande valia para nós. Os homens-macaco de que falais são criaturas que há muito não andam em grandes bandos e se exilaram justamente nas ruínas de Quiriath-Mon. Não são homens, nem macacos, mas seres peludos de dentes fortes e sede de sangue. São chamados argros pelos homens e gasnarzni pelos anões. Seus líderes tribais são fracos e facilmente manipuláveis pelas Trevas. São inimigos naturais dos anões, por motivos que desconhecemos. Se estão por estas bandas e agrupados, trata-se de algo que não devemos ignorar. Não será mais apenas uma ação sanitária, mas talvez presenciemos batalhas reais. O exército precisa estar pronto para essa nova circunstância. Voltaremos agora para junto de nossos homens.

2 comentários:

  1. tá mto boa a história, nerito! =]

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  2. sobre o comentário lá no blog sobre o vácuo ter sido proposital ou não, eu por vezes acho que eu pertenço aos meus textos mais do que eles pertencem a mim... foi tudo o que eu sabia dizer sobre aquele assunto. Aquele texto ficou parado um tempo e só depois eu resolvi publicar como estava, incompleto, como a história que eu narrei é para mim.

    Muito interessante que você tenha reparado =].

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